Por LUIZ ALBÉRICO B. FALCÃO
Uma coisa é certa, o trem da história não
passou por aqui sem registrar tamanha façanha de contemplar o surdo
falar com todos os seus gestos, amar com todos os seus sentidos, viver
com toda a sua alma, sonhar com toda a nossa gente em harmonia
societária, significativamente Ser especial, como todos nós. FALCÃO,
2006
Palavras-chave:
Educação de surdos, inclusão social, formação de educadores bilíngües
Deaf education, education, social inclusion
Introdução
Abordar a temática da vida dos surdos nos últimos 20 anos é
uma odisséia e um risco. Odisséia porque nunca, em tão pouco tempo, a
visibilidade da heterogeneidade e a diversidade estiveram tão presentes
na vida dos brasileiros, risco porque atentamos para a ousadia e
possíveis erros de não agradar a todos ou mesmo também, em alguns
momentos deixarmos de referendar tamanhos valores na literatura e na
ciência.
Estudiosos que voltados ao ensino, à educação, à família e à
vida em sociedade dos surdos não poderiam deixar de serem
referenciados, são pesquisadores como TEREZINHA NUNES nossa conterrânea e
outros pesquisadores: MORENO, BRYANT, BULL, MARSCHAK E VALLEE, SKLIAR,
VYGOTSKY, LURIA e LEONTIEV na Europa e na América do Sul. No Brasil,
não poderiam ser esquecidos, MÁRCIA GOLDFELD, EULÁLIA FERNANDES, TÂNIA
FELIPE, MARIANA STUMPF concluídos seus estudos de doutorado em Porto
Alegre, FABIANO cursando o mestrado na UFSC, entre outros.
O “boom” na visibilidade das pessoas surdas, portanto veio a
acontecer justamente no final do milênio, entre a década 80 e 2000 se
espalhando por todas as esquinas do nosso “brasilzão” e, mais ainda, a
partir da publicação recente de lei e decreto, respectivamente, de
reconhecimento e regulamentação da Libras – Língua Brasileira de
Sinais, que legitimam a luta social pelo respeito às diferenças e a
diversidade.
Os mecanismos de acessibilidade, portanto, são recentes e
sujeitos a muitas dúvidas e incertezas até porque, uma mudança de
paradigma não ocorre por Decreto, a fase de transição é demorada e
construída com “trincheiras” que muitas vezes se atropelam pela ânsia
do fazer acontecer, além da influência cultural herdada por nossos
patrícios de (re-)construção pacífica e cíclica da nossa história.
O grande aspecto positivo desta odisséia é a de proporcionar
atividades que levam a reflexão por serem extremamente importantes para
a construção de argumentos e fundamentação uma vez que, somos
formadores de opinião e esta linha de pesquisa além de ser muito
recente, se apresenta com uma diversidade muito peculiar de uma
sociedade plural e multicultural, ambiciosa e inquieta, culturalmente
rica, mas pobre de leitura e de leitores que sedimentem os saberes
vivenciados numa prática mais profícua e duradoura. Uma coisa é
certa, o trem da história não passou por aqui sem registrar tamanha
façanha de contemplar o surdo falar com todos os seus gestos, amar com
todos os seus sentidos, viver com toda a sua alma, sonhar com toda a
nossa gente em harmonia societária significativamente em Ser especial
como todos nós.
A Diversidade
No cenário escolar não é exclusividade a presença de surdos, existe
toda uma diversidade de gêneros, etnias, alunos com dificuldades de
aprendizagem e necessidades educacionais especiais desde a
hiperatividade, autistas, transtornos e déficits de aprendizagem,
crianças superdotadas, com deficiências sensoriais, motoras, mentais,
múltiplas deficiências e os surdos que por sua vez não devem mais serem
vistos como culturalmente são identificados na sociedade
participantes do grupo das “pessoas com deficiência”, fato este, que
requer um atendimento clínico, por refletir-se no modelo terapêutico de
uma patologia, contudo, trata-se de alguém que possui uma diferença,
Apresentam um canal visual-gestual de comunicação.
O estigma de o surdo ser uma pessoa deficiente resolveu, no passado,
um problema político ideológico de verticalização e afastamento do
“defeito” daquilo que é “perfeito” e “produtivo”. Historicamente veio
provocando discriminação, preconceito, conflitos sociais e cognitivos
irreparáveis. Este modelo manteve-se alijado da sociedade civil e
perdurou durante séculos, a mercê dos ditames políticos que
historicamente prestigiaram o poder e a perfeição do belo pelo olhar do
mercado, do consumo e do bem capital, como privilégio daquele que
melhor produz e mais rapidamente consome para poder ser
(re-)aproveitado na frente de produção de qualquer indústria
“fabricareira” de produtos humanos. Esta indústria modelar tem nome e
endereço certo, tem receita, recursos, produção de massas e ainda é
legitimada pelo sistema ideológico vigente, esta indústria chama-se
e-s-c-o-l-a.
Das diferentes formas de como lidar com cada uma das especificidades
humanas, nas sedes destas diversas “indústrias modelares”, também não
se podia esperar pela excelência dos centros formadores, pois nem eles,
ou ninguém soube o que fazer ou como proceder com “máquinas
defeituosas” que não poderiam mais ser lançadas para reciclagem ou
acumuladas aos lixos inorgânicos, se dantes eram lançados em cubículos
escuros à própria sorte da vida e mantidos, em alguns casos, pela
assistência previdenciária do país, hoje reverberam conhecimento
científico, cultura, produção social e acumulam riquezas, pagam
impostos, são visíveis.
No tocante ao planejamento e modelos de fabricação produzidos na
escola, ainda apresenta-se “maquetipado” por um denominador curricular
indiferente aos vislumbres e habilidades que por ventura surgiriam, não
do nada, mas de forças interiores que justificam a natureza e a vida no
planeta Terra.
A diversidade cultural da população brasileira tem uma característica
mais atual e incomum de convivência pacífica, mas não submissa e nem
subserviente. O modelo multicultural é uma perspectiva humanizadora e
contempla a natureza da humanidade. Assim, oportunizar nos espaços
sociais uma leitura de mundo neste direcionamento é antes de tudo
valorar a vida em harmonia na sociedade.
As diversas conquistas das pessoas surdas tanto no mercado de
trabalho como nas universidades ainda não garantem acesso nem inclusão
social para os surdos. Os movimentos sociais ainda permitem-se existir
pela desigualdade de direitos e falta de atenção diferenciada que
promova a interação social com consciência cidadã.
Modelos de Inclusão Bilíngüe e a Escola
Numa abordagem sensível e humanizadora, procura-se potencializar no
educando oportunidades e habilidades pessoais. Assim, o entendimento
sai da esfera do preconceito e da discriminação da pessoa com
deficiência, e se qualifica pela oportunidade e respeito de ser
diferente despertando para novas formas de interação com o mundo e com
relação aos surdos, numa perspectiva lingüística de comunicação,
expressão, percepção e interação com o meio, enquanto cidadão
consciente, participativo e interativo através da Libras – Língua
Brasileira de Sinais oficialmente reconhecida como língua materna dos
surdos.
Aprende-se Libras para conhecer melhor as pessoas, o mundo, o
pensamento, refletindo, construindo e constituindo-se de amor e respeito
pelas diferenças. Aprender Libras é respirar a vida por outros
ângulos, na voz do silêncio, no turbilhão das águas, no brilho do
olhar. Aprender Libras é aprender a falar de longe ou tão de perto que
apenas o toque resolve todas as aflições do viver, diante de todos os
desafios audíveis. Nem tão poético, nem tão fulgaz.... apenas um Ser livre de preconceitos e voluntário da harmonia do bem viver.
Nesta perspectiva de agregar valores além da Língua Portuguesa, a
Libras se apresenta como intensificador da formação bilíngüe, Libras e
Língua Portuguesa. Desperta-se com um salto qualitativo no ensino
público superior em alguns estados brasileiros, e ainda mais, na
qualidade da formação profissional e educação continuada das diversas
profissões e espaços sociais existentes sensíveis e aflitos pela
concretização por mudanças sociais.
A Formação de Educadores e a Educação de Surdos
A educação inclusiva na educação de surdos no final do século passado
apresentava a oralidade como fundamentação pedagógica, não existia a
figura do intérprete em sala de aula e os surdos eram discriminados e
marginalizados pela grande maioria das pessoas justamente por não
saberem como lidar com esta especificidade, o ciclo vicioso confirmava a
deficiência e o atraso na aprendizagem, não se aprendia como lidar,
como se comunicar e a quem servir enquanto modelo verticalizado de
ensino e formação.
Os saberes docentes eram baseados na criatividade e na sensibilidade
pessoal e quem deteve este conhecimento, se mantinha manipulador das
tendências pedagógicas, fato que, ainda se observa na maioria dos
conteúdos curriculares dos cursos de formação de professores e educação
continuada, num modelo conceituado como terapêutico por se reconhecer e
valorizar os aspectos nosológicos e medicamentosos cujo conteúdo se
apresenta híbrido e monopolizado e por vezes manipulador como formador
de opinião.
Uma alternativa salutar para este impasse entre os saberes
espontâneos e os científicos (re-)surge com a universalização da Libras
e a sua oficialização nos cursos de formação de professores e demais
cursos de educação, licenciaturas e fonoaudiologia. Os centros de
formação e as universidades recebem a responsabilidade de transpor este
modelo casuístico e conteudista, contudo, não existem profissionais
qualificados para este fim, é como se rodassem em círculos,
alimentando-se da própria inoperância. Não houve formação ao longo da
história. Os recursos humanos são insuficientes e inoperantes para
atender ao mercado.
Eis o dilema: não existem surdos (qualificados para o ensino
superior) para a educação de surdos. São muitas dificuldades por falta
de surdos nos cursos universitários e de pós-graduação. Pela falta de
adequação curricular, muitos desistiram por não conseguirem transpor a
barreira da formalização dos conhecimentos através da escola. A
responsabilidade do ensino dos surdos ainda vai permanecer por muito
tempo nas mãos dos ouvintes, segundo o modelo universitário vigente no
país, a formação de professores ouvintes fluentes em Libras permanecem
assumindo este ensino até que algum dia os surdos consigam, de forma
universal assumir o seu papel social de professor e pesquisador
universitário.
Inclusão x Exclusão Social
O conceito de inclusão vem se apresentando como exemplo de
(re-)conhecimento social, beleza e desejável numa ampla reforma
educacional. Na prática, porém, funciona como exclusão. Exclusão da
relação inter e intrapessoal e da comunicação, exclusão da real
participação, convivência e interação, tanto no ambiente escolar, como
muito mais ainda no ambiente familiar que não desperta do luto da
deficiência, permanece no argumento da perfeição e de que o filho de
forma compensatória é capaz de realizar, sem perceber-se como modelo
híbrido na formação da personalidade autônoma.
Existe toda uma discussão filosófica, educacional e psicológica na
constituição da personalidade e da educação das pessoas para conviver
em sociedade. A criticidade e a revolução educacional são caminhos que
estruturam e se baseiam na fundamentação ideológica do que é
ensinar-aprender e muito mais ainda no papel da escola como emancipadora
e estimuladora da autonomia apoiados invariavelmente pelo espaço
familiar.
Repensar o papel do binômio família-escola na educação de surdos é,
acima de tudo, fundamentar e conceituar a acessibilidade e a inclusão
social que carecem de conhecimento integrado entre os saberes populares
e científicos.
A presença articulada e interagida como forma complementar e convergente se refletem no discurso de
FELIPE (2003) “A Educação para Surdos não pode se resumir a uma
escolarização repassada por um intérprete, os novos embates e debates,
agora, à luz de uma Escola Inclusiva que pressupõe uma Sociedade
Inclusiva, não poderão mais ficar em dualismos maniqueístas: ouvintes x
surdos, Escola Ensino Regular x Escola e Ensino Especial, Escola de
Surdos x Escola de Ouvintes, que subjazem uma ideologia conservadora. O
debate agora será em torno de um novo paradigma: uma Escola para
Surdos e para Todos, porque nessa Escola, como GADOTTI (1989) afirma “a
tarefa da educação” será “a tarefa essencialmente ligada à formação da
consciência crítica. Quero dizer que identificaremos educar com
conscientizar. O papel da conscientização de que nos fala Paulo Freire é
essa decifração do mundo, dificultada pela ideologia; é esse “ir além
das aparências”, atrás das máscaras e das ilusões, pagando o preço da
crítica, da luta, da busca, da transgressão, da desobediência, enfim,
da libertação” (FREIRE, 1995 e 2000)”.
É essencial para as crianças surdas utilizarem a Língua de Sinais de
sua comunidade com seus pais, com os profissionais da área educacional e
com as pessoas de convívio mais próximo para que garanta o
desenvolvimento psíquico, social, político e psicológico. É de
fundamental importância a interação entre as crianças na sociedade, sem
formação de guetos nem de comunidades isoladas, onde todos convivem e
interagem física e linguisticamente.
A convivência interpessoal e dialética deve ser percebida com
naturalidade e refletida sobre os papéis sociais cuja vida, dignamente
vivida, funciona como referencial histórico e cultural e não como
modelo para ninguém. É preciso atribuir perspectivas e possibilidades
humanas entendendo o surdo como um ser eficiente, que se comunica por
outro canal e, conseqüentemente, tem outra língua.
Uma Experiência, Reflexo do Paradigma da Educação
A pouca qualificação profissional de professores e intérpretes
atrelados a um contexto curricular defasado e carente de significados
em sala de aula, repercute-se no abandono da escolarização e nos baixos
níveis de satisfação, auto-estima e valoração do papel social da
escola.
Numa sala inclusiva onde todos recebiam os mesmos conteúdos diários
surgiram dezenas de conflitos, as críticas à metodologia e a postura
dos professores e intérpretes em sala de aula como: excesso de termos
para conceituação, comunicação verbalizada rápida, sem direcionamento
físico para os surdos com verbalização de costas para a sala e sem
articulação labial fonética acessível para leitura labial, vocabulário
rebuscado e repleto de sinônimos descontextualizados à Libras. Estes
foram alguns dos pontos mais críticos observados pelos surdos na
avaliação pedagógica.
Abaixo alguns relatos de surdos sobre a qualidade do ensino e as necessidades para obter aprendizagem:
“Também os professores falam muito, não tem claro, mas
os surdos sempre olham o intérprete, não tem claro, não é igual aos
professores. As matérias são muito difícil... os surdos não dá memória
essa as matérias diferentes, também os ouvintes não tenha
ajudam”(Depoimento de um pré-vestibulando)
Outros conflitos na relação com os ouvintes que chegavam à
sala mais cedo e guardavam lugar para os colegas que “tomavam” os
lugares dos surdos que queriam sentar na frente. Mas os surdos não se
esforçavam para chegar cedo, sempre atrasados quase 1 hora.
“Na aula, os ouvintes surdos conclusão atrapalha um
pouco mas professores falam muito rápido e muito escreve complicado
quadro”. (Depoimento de um pré-vestibulando)
Muitos desistiram do curso para trabalhar ou porque não
acreditavam nas suas potencialidades acadêmicas. No final apenas oito
chegaram ao vestibular. Nenhum sequer passou na primeira fase.
“Acho impossível falou os surdos tem 10% de redação
igual ouvinte nossos surdos estamos dificuldade de fazer uma redação
perfeito como podemos fazer isso. Nós estamos com medo perder para
futuro universidade acho perdemos este ano vestibular”. (Depoimento de
um pré-vestibulando)
Assim concordamos com o professor SKLIAR quando afirma que
A escola atual não proporciona oportunidades para o
desenvolvimento das identidades pessoais, ao contrário, dá-se
prioridade às habilidades técnicas que são sugeridas pela lógica
contemporânea do mercado. Esta lógica impõe, por exemplo, a inclusão de
surdos em escolas regulares, justificando tal decisão com argumentos
do politicamente correto, do fazer surdos mais eficazes, mais
eficientes. SKLIAR, 1999, p.08
Consciência Social Inclusiva
A construção de uma consciência social inclusiva se afirma
pela livre convivência e pelo conhecimento e reconhecimento da
diversidade como pluralidade e respeito às diferenças. A Libras,
portanto, assume um papel lingüístico de permitir a comunicação, a
interação social e a constituição da própria personalidade. É uma
característica diferenciadora dos animais. A Libras como língua oficial
é patrimônio da população brasileira, este status deve ser garantido
não apenas por Decreto, mas acima de tudo, como motivação societária e
sua utilização deve ser assumida em todos os currículos escolares e em
todas as salas de aula como disciplina regular, tão mais do que as
línguas estrangeiras, servindo de atributo social, político, econômico e
cultural da população.
A interação familiar possibilita a aquisição de valores culturais e
morais imprescindíveis na formação da pessoa cidadã. Acreditamos que
quando todos que compõem a sociedade brasileira souberem se comunicar
fluentemente em Libras e com os surdos, poderemos interagir idéias e
costumes universais rompendo barreiras sociais, divergindo dos
preconceitos e convergentes para a consciência de sociedade inclusiva.
FALCÃO,
LUIZ ALBÉRICO é cirurgião-dentista, professor de Sociologia da Saúde
na Universidade de Pernambuco e coordenador de ensino do Curso de
Leitura, Interpretação e Comunicação da Língua Brasileira de Sinais –
Libras nas Universidades Federal Rural de Pernambuco - UFRPE;
Universidade Federal de Pernambuco-UFPE e na Universidade de
Pernambuco- UPE. FALCÃO, também, é aluno do Curso Técnico
Tradutor-Intérprete de Libras e coordenador do Núcleo de
Acessibilidade, Inclusão Social e Libras, além de Conselheiro do
CONED-PE
E-mail: luiz_alberico@yahoo.com.br
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